Sob o machado do lavrador imprevidente

Resenha sobre o documentário Plantas medicinais, um saber ameaçado.

por Thiago Braz

“Diariamente árvores preciosas caem sem utilidade sob o machado do lavrador imprevidente”

Botânico Auguste de Saint-Hilaire, 1816

O registro do botânico francês Saint-Hilaire no século XIX antevê a preocupação com a devastação desenfreada da flora e, consequentemente, os sérios desequilíbrios que podem ocorrer nos diferentes ecossistemas do planeta. Neste sentido, o documentário Plantas Medicinais, um saber ameaçado – produzido em 2007 sob coordenação da Professora Maria das Graças Lins Brandão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – traz outro aspecto importante que afeta diretamente o universo das plantas medicinais: a perda do conhecimento popular sobre o uso terapêutico.

Partindo do princípio de que o conhecimento popular é uma fonte de informação, valorização e preservação dos recursos vegetais, o filme entoa o desinteresse dos mais jovens pelo conhecimento sobre plantas medicinais e a dificuldade de propagação deste saber. “Daqui uns anos não vai mais encontrar raizeiro não. Eles [os jovens] querem só estudá, estudá. A profissão de raizeiro é acabar” ressalta o raizeiro Orlando Vicente, do município de Santa Cruz de Minas.

A ameaça de extinção do conhecimento proveniente da chamada medicina popular, aliada à possibilidade de incorporação de outras práticas terapêuticas por estas culturas, traz consigo a necessidade de registro de informações, sendo a etnofarmacologia uma importante ferramenta para identificação e valorização deste saber popular.

Sob o ponto de vista de perda da flora, o filme traz também um cenário alarmante. Inúmeras são as causas citadas de processo de degradação, desde novas fronteiras agrícolas, para maior produção de alimentos e criação de animais, até a produção de carvão: “a queimação nos campos acaba com o remédio” diz sr. Agostinho. Isso mostra que apesar da maior disseminação de informações sobre a importância da preservação na atualidade, ainda são mantidas práticas descritas por Saint-Hilaire no século XIX.

Por fim, em tempos de intensificação das discussões sobre as consequências das ações do homem frente a natureza e de reflexões sobre os saberes que estão em vias de desaparecimento, seja através da Rio+20 ou do novo Código Florestal Brasileiro, o Coletivo Curare acredita na necessidade de pesquisa, valorização e revisão do potencial terapêutico da vegetação nativa brasileira, presente nos diversos biomas, bem como do conhecimento associado ao seu povo.

Thiago Braz é farmacêutico, mestrando pelo Programa de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de São Paulo (ênfase em Etnofarmacologia) e integrante do Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos (CEE-UNIFESP).

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Sobre Coletivo Curare

Somos um coletivo multidisciplinar de pesquisadores, nas áreas de biologia, naturologia, farmácia e agronomia, com a missão de difundir o conhecimento científico sobre as plantas medicinais, tóxicas e outros produtos naturais.

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